sexta-feira, 17 de junho de 2011

O Alçapão

O Alçapão, de João Leal, foi descrito pela Time Out como um "ovni na ficção portuguesa".

Talvez seja, ainda que me pareça objeto de estudo um país que teve duas coleções  de bolso, uma de policiais e outra de ficção científica, com sucesso, não ter nenhuma tradição grande e objectiva nestes dois tipos de literatura. Há alguns escritores que têm agraciado os géneros, mas olha-se, principalmente, para a FC com alguma desconfiança.
O livro de João Leal junta o policial com a fantasia, na realidade são duas histórias que no fim se entrecruzam.

Deixem-me começar pela capa e pelas minhas idiossincracias.
Quando vi a capa pela primeira vez foi impossível não pensar em CS Lewis e na primeira crónica de Nárnia, com o inverno a assolar Nárnia (imagem da ausência da Aslan, figura divina na série de Lewis).
O livro de Leal trata de dois invernos. No primeiro somos apresentados a dois jovens que crescem num lar católico, onde a lei do mais forte impera, vemos a violência com que as crianças e os jovens têm de lidar diariamente e a negligência e desinteresse dos padres. A determinada altura, depois da descrição sociológica e violenta, começam os crimes, ainda que já haja corpos, recentes e antigos, nas páginas anteriores. Os crimes têm algo de paranormal, ainda que o paranormal em Leal esteja ligado ao Cristianismo, há anjos, há demónios, há possessões, tudo em dose generosa, mas comedida. Aliás, a capa tem uma asa ilustrada, que nos avisa para a presença de seres angelicais.
O segundo inverno leva-nos para os textos de Génesis inscritos na epígrafe. Ali conhecemos o dia a dia dos habitantes de uma ilha, sobreviventes do dilúvio, que se têm como os únicos habitantes do mundo. De alguma forma a história irá desembocar na narrativa bíblica sobre a Torre de Babel.

Anjos têm povoado a literatura, nomeadamente actualmente, assim de repente lembro-me de Angeology, que deixei a meio, e de um romance recente de Anne Rice, que ainda não comecei. Os anjos de Leal são mais arraigados à tradição cristã, como todo o livro, aliás. Deus paira ali, mas é pouco mais do que uma certeza, nunca uma personagem, sempre algo tido como certo, que age sem que o consigamos ver ou discernir.
Gostei da escrita de João Leal ainda que me pareça incoerente, há passagens muito cuidadas e outras que não fazem todo o sentido, há passagens demasiado rápidas que me deixaram confuso. O final do livro é demasiado rápido e o final da 2ª narrativa depende demasiado de deus ex machina, fez-me confusão e não me agradou completamente. Surpreendentemente, agradou-me mais o estilo da 2ª parte do que da 1ª, ainda que os problemas assinalados acima ainda sejam recorrentes.

(Para quem conheça um pouco o João Leal, e eu não o conheço, cruzei-me com ele duas ou três vezes, há nomes que se reconhecem, amigos que são "homenageados" enquanto personagens, locais que vêm à memória, como Água de Madeiros. Há outros motifs na obra que me fizeram lembrar outras obras, lembrei-me de The Shack, ainda que não no mesmo estilo; a ilha fez-me relembrar Lost, a série de TV, principalmente numa passagem no alto da árvore mais alta da ilha, mas as impressões ficam por aqui.)

Não me parece que O Alçapão seja tanto um ovni quanto a aposta da Quetzal nele, essa sim parece-me o ponto distintivo neste livro. O defeito pode ser meu, mas não me surpreendeu tanto quanto alguns comentários pré-publicação me tinham feito pensar. É um livro interessante, mas que fica aquém desse elan criado.

2 comentários:

  1. Olá, Tiago!
    Ainda bem que achaste o livro interessante.
    Tenho pena que aches a escrita incoerente. Embora não especifiques exactamente as passagens do livro, posso tentar explicar-te o que tecnicamente tentei fazer, porque foi propositado. Talvez assim possas ter outra visão sobre o assunto. Se tiveres paciência e interesse, é só dizeres, que posso escrever aqui.
    Abraço.

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  2. Não apontei nada, foram sensações que me foram ficando, mas quando tiver tempo aponto alguns exemplos.
    Abraço.
    Tiago

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