sexta-feira, 17 de junho de 2011

Monólogo

-Olá!
-...
-Sinto-me velho, hoje. Quase tão velho como tu, sem paciência, descarnado, sem pele.
- Deves estar velho mesmo. Descarnado? Com tantas peles penduradas?
-Sim, eu sei. Gordo, irascível. E velho, um velho de 48 anos. Com um filho que não conhece, que não percebe, que não vê. Um filho ausente, mesmo quando não sai de casa.
- E uma mulher que cada vez mais se afasta, foge, se esconde de ti.
-Tinha medo de o pegar, quando nasceu. Sabes? Parecia demasiado frágil, para um tipo sem jeito como eu. Para um tipo que partia copos todos os dias, copo, que partia um copo todos os dias. E olhar para ela, uma estrela naquele quarto. Sorrindo, cansada e dorida. Também de mim. Como se aquele raio que saíra dela podesse fazer-me brilhar. Chamuscou-me.
-Não sei se tem medo de ti, mas...qualquer dia não a encontras. Abafa-la demasiado.
- Como me hei-de dar com os outros, mesmo os do meu sangue, se não me percebo a mim mesmo? Se não aceito quem sou. Se não gosto de mim...mesmo quando os outros gostam.
-Ela sabe que não sabes se gostas dela. Pelo menos, na maior parte das vezes.
- Ironia. Porra de realidade. Sentir o amor dos outros, o carinho e não saber retribuir. Evitar olhar nos olhos, ou olhando não saber sorrir, não me interessar pelo que dizem. Fartar-me do som das vozes deles, e ansiar pelo som da minha não voz, dos meus não pensamentos. Sorrir por não reagir. Ou reagir não agindo.
- ...
-Não dizes nada? Ou respondes afirmativamente, com o silêncio? Juntando-te a mim na minha opinião?
- Não consigo pensar contigo a falar. Não te calas. Aliás, é esse o teu problema. Falas sempre, mesmo quando não te ouvimos. Mesmo quando não pensas. As mãos não param, a respiração aumenta, o pé bate no chão, para cima e para baixo.
-Vejo um jovem de vinte anos, que mora na mesma casa que eu. Não gostava de o pegar em pequeno. Não tinha paciência para ele, para as perguntas, para os porquês, demasiado agarrado ao trabalho, ao desejo de ser melhor, aos jornais, à realidade. E ele perguntando, porquê, pai? Porquê?
Andando, correndo, tirando as coisas do lugar. Vendo tudo com as mãos, e por vezes com a boca. Porquê, Pai? Lambendo, roendo e mordendo. Porquê?
-E ela, ali, a olhar para os dois. Sorrindo tristemente para ti, tentando compreender o que nem tu sabes explicar. Esperando que entendesses o filho que te deu.
- Mordendo uma caneta, ficando com a boca cheia de tinta. Cuspindo para o monitor. Metendo os dedos na boca e sujando a parede. Porquê, filho?
-Triste, quando o agarravas por uma orelha. Ou quando lhe davas uma ou duas palmadas, a chamavas, e colocando-o fora do escritório, fechavas a porta. Entre ti e eles.
- Que saudades desses momentos.
- Imaginas as lágrimas de um e de outro?
- E aqui estou eu, num quarto de hospital.
- E eles vêem visitar-te?
-...

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